2006-10-15

Teatro de A a Z

Falar de teatro em Montemor é falar de muita gente. De talentos que foram construindo aos poucos, nesta vila/cidade, o gosto pela representação, a vontade de pôr em palco o querer e o ser dos homens. O quase meio século que de mim se apropria é-me vantajoso em questões de memória. É por isso que teatro é igual a Domingos dos Santos, a Vítor Guita e, mais recentemente, a Hugo Sovelas, que arrastaram consigo, nos seus sonhos e aventuras, os actores montemorenses de várias gerações. As memórias de outros amigos ajudaram-me a entender quem foram as caras que deram ao teatro de Montemor novas formas de representar. O Manuel Filipe Vieira, o Vítor, o Prof. Carlos Cebola e o Prof. Oleiro falam-me amiúde, com saudade e com um brilho nos olhos, dessa figura que, à James Dean, cedo subiu ao firmamento onde as estrelas todas se encontrarão um dia - o Prof. Balbino, um encenador de raro talento, de quem eu de certeza seria amigo. Uma enorme lista me ocorre ainda e, sabendo da impossibilidade de nomeá-los como merecem, recordo o Manuel Justino Ferreira, com quem tive oportunidade de trabalhar bem de perto, nas Serrações da Velha, nas Marchas e noutros acontecimentos de sabor popular.

Mas é sobre teatro que quero escrever. Sobre o teatro dos clássicos e dos modernos, de Almeida Garrett e de Carlos Cebola, de Alves Redol e de… Carla Rodrigues. Da Carla e de um elenco magnífico, fruto directo das várias escolas que muitos deles frequentaram – a escola Domingos dos Santos, a escola Vítor Guita (por onde passaram dezenas de alunos da Secundária) e a escola Hugo Sovelas. Não fora esta mistura de saberes, de influências e de instintos, estas passagens de testemunho, discretas, embora afirmativas, aproveitadas sabiamente por todos os seus elementos, e o Theatron não seria o que é hoje.

Reparem que, em matéria de teatro, Montemor nunca precisou de importar fosse o que fosse. Técnicos? O saudoso Laurentino Reis Júnior e os seus focos de luz artesanais (utilizava, segundo reza a lenda, funis de alumínio), deram lugar ao Carlos Olivença, um luminotécnico da era moderna, indispensável em qualquer produção artística. Actores? Nunca faltaram (com algumas excepções quando, lá nos anos 40 e 50, as meninas não eram autorizadas pelos pais a sair à noite para participarem nos ensaios na Pedrista e na Carlista). Encenadores? Já aqui foquei vários. Dramaturgos? Também. O flagrante caso de Carlos Cebola (a mítica Cigarra e a Formiga e João Cidade, já com duas versões escritas e representadas) e a surpresa mais recente, que me deixou verdadeiramente feliz – o caso da Carla Rodrigues, montemorense dos sete costados, que escreveu (e encenou) num estilo profundo, mas não intelectual, tragicómico e, por isso, eficaz, uma peça para pôr os homens a pensar. E muito.

Não. Não vou escrever sobre a peça. Não há texto, por muito entusiasta e fulgurante que queira ser, que substitua uma ida ao teatro. Segundo me parece, Mulheres de A a Z, a mais recente produção do Theatron, vai subir ao palco novamente. Amâncio Você, o gerente do bar onde também nós somos actores, e Amândio Fava, o solícito, mas machista e não-te-rales, empregado de mesa, estarão, mais uma vez, à espera da clientela. E estejam atentos à Zara Sampaio e à Helena Rocha, dois verdadeiros animais de palco que, de amadoras, nada têm. Aproveitem também para apreciar a maturidade vocal do João Macedo Jr. e concluir que, para se cantar bem, não são necessários grandes aparatos.

João Luis Nabo

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3 comentários:

Anónimo disse...

Sou daqueles que tive a oportunidade feita felicidade de ver estas "Mulheres de A a Z", que me deixaram deslumbrado, sem qualquer favor.

Não sou, reconheço, grande conhecedor da arte teatral na sua mais genuína expressão. Sou, no entanto, alguém que pretende reconhecer o valor de todos aqueles que, de forma corajosa, vestem a pele de actores e nos oferecem um excelente espectáculo. Foi o que aconteceu no Rádio Cine, com a particularidade de estarmos a falar de amigos e amadores, mas que só são amadores de estatuto, não de classe.
É naturalmente muito gratificante poder constatar esta forma muito séria e profissional de trabalhar, que permitiu à Theatron oferecer-nos mais uma peça de grande qualidade.

Como o comentário já vai longo, e provavelmente pretensioso, resta-me deixar os meus parabéns a todos(as) que produziram e realizaram estas "Mulheres de A a Z". Para lá do espectáculo em si, esperemos também que a mensagem tenha sido efectivamente captada.

Só para terminar, se não teve oportunidade de ver, após este belíssimo texto do João Luís tem fortes razões para não voltar a perder qualquer oportunidade.

Continuem a trabalhar assim!...

Nós aplaudimos, com todo o gosto!...

Anónimo disse...

É verdade. Sempre se tem feito bom teatro em Montemor. A Associação Theatron não é excepção. Muito pelo contrário. Parabéns.

Anónimo disse...

Da minha parte apenas quero agradecer os comentários feitos à peça que tanto prazer nos dá representar!
Obrigada.

Em Dezembro voltamos! Não se esqueçam de nos ir ver!

HelenaR